Os bebés nascem inteligentes e capazes
Conhecer o desenvolvimento infantil é elevar os bebés acima do estatuto de seres inertes que “só comem, choram e dormem”.
Um dos motivos que faz com que ser pai ou mãe hoje pode ser uma experiência muito diferente do que era há 50 anos atrás, é o nível de conhecimento científico que existe actualmente sobre o desenvolvimento infantil.
“Aprendemos mais sobre os bebés e crianças pequenas nos últimos 30 anos do que nos 2500 anos anteriores.”
Alison Gopnick em “How Babies Think”, publicado em 1999
Isto graças, a partir da década de 1970, a um maior número de mulheres a conduzir investigação universitária, o que deu mais visibilidade a temas relacionados com o universo do bebé; e a enormes progressos tecnológicos, incluindo na neuro-imagiologia.
Claro que já tinha havido, muito antes disso, pessoas interessadas em compreender os bebés, como Emmi Pikler e Magda Gerber que, através da observação, chegaram a conclusões hoje em dia validadas pelas neurociências.
Mas facto é que, durante largos séculos, houve um grande vazio no conhecimento do desenvolvimento do bebé, o que deu lugar a muitas crenças infundadas, como por exemplo que os bebés não sentiam dor ou não tinham memória.
“Na história da pequena infância, algumas afirmações “caídas do céu” fizeram muito mal aos bebés. Sou da época em que nos ensinavam que os bebés não sofriam porque as suas ligações neuronais não estavam terminadas (...)”
Boris Cyrulnik, neuropsiquiatra francês nascido em 1937
As últimas décadas têm de facto sido extraordinariamente ricas em descobertas sobre os bebés, com impactos significativos na forma como os compreendemos e educamos.
O que sobressai, acima de tudo, é o impacto da QUALIDADE DAS RELAÇÕES no desenvolvimento do bebé. Não subsiste qualquer dúvida: os bebés são seres sociais, e precisam de formar um vínculo emocional forte com os seus cuidadores para sobreviver!
Nos anos 1940, o psiquiatra austro-americano René Spitz observou o comportamento de bebés orfãos e hospitalizados. Estes bebés eram vestidos, alimentados e lavados, mas totalmente privados de contacto com os seus cuidadores, de acordo com práticas adoptadas em vários hospitais nesta época para reduzir a propagação de germes e doenças. Todas estas crianças revelavam sinais de trauma emocional. Muitas adoeceram e algumas não sobreviveram. O Dr.Spitz concluiu que, para sobreviver e se desenvolverem correctamente, os bebés precisam de formar um vínculo emocional com um cuidador adulto.
Deixo de seguida algumas descobertas recentes que demonstram as enormes capacidades de que os bebés são dotados logo à nascença, e o impacto no desenvolvimento das experiências e relações estabelecidas na pequena infância:
1. O cérebro do bebé desenvolve-se em função das suas experiências
Uma das descobertas mais importantes das neurociências é que o cérebro do bebé é muito incompleto à nascença: o cérebro de um recém-nascido é cerca de 25% do tamanho de um cérebro adulto. Aos 3 anos, o cérebro da criança já atingiu cerca de 85% do tamanho do cérebro adulto.
À nascença, o bebé tem cerca de 100 mil milhões de neurónios cuja grande maioria é ainda indiferenciada, ou seja que ainda não tem uma função ou tarefa específica atribuída. Esta enorme quantidade de neurónios é muito mais do que aquilo que o bebé irá precisar em toda a vida, e é o que permite a cada cérebro desenvolver-se de uma forma única, em função das experiências próprias de cada bebé.
Por exemplo, estudos demonstram que bebés vítimas de abuso têm estructuras cerebrais menores; e que crianças de famílias com recursos financeiros escassos têm um volume de matéria cinzenta menor em certas áreas do cérebro.
2. O bebé vem ao mundo programado para estabelecer vínculo com os seus cuidadores
Os bebés são sedentos de relações humanas. Logo à nascença, os bebés preferem olhar para uma cara, ao invés de objectos; para uma cara com olhos abertos, do que de olhos fechados; para uma cara de expressão feliz, por oposição a uma cara neutra ou amedrontada.
Quando lhes é dada a escolha, bebés de apenas 3 dias preferem olhar para vídeos da cara da sua mãe do que para vídeos de caras de pessoas desconhecidas. Demonstram uma sensibilidade semelhante à voz humana, preferindo ouvir a voz da sua mãe do que a voz de outra mulher.
A preferência dos bebés para coisas humanas – vozes, caras, cheiros, e movimentos – permite-lhes distinguir entre várias pessoas desde o início, e procurar relacionar-se com aquelas que lhes providenciam afecto, alimento e protecção.
3. As relações de confiança servem de “amortecedores” do sofrimento
Está comprovado que as relações de confiança que os bebés formam com os seus cuidadores servem de “amortecedores” do sofrimento.
Para demonstra-lo, investigadores mediram o nível de cortisol (“a hormona do stress”] em bebés no momento em que recebiam vacinas. Alguns bebés receberam a vacina no colo de um cuidador em quem confiam, e outros não. Os bebés que estavam no colo não tiveram um aumento significativo do nível de cortisol nos seus sistemas.
4. Sim, os bebés têm memória
Pensou-se durante muito tempo que o bebé não tinha memória porque os adultos não são capazes de se lembrar de eventos ocorridos quando eram bebés; logo, a dedução era que a memória ainda não está presente nessa fase da vida.
Mas trabalhos científicos recentes sobre o funcionamento da memória sugerem que há vários tipos de memória. Um deles - a memória implícita - está presente à nascença. A memória implícita é uma memória corporal, não-verbal, visceral. Quando, dia após dia, o bebé vê a cara do seu cuidador, sente o seu cheiro, é pegado por ele, forma uma memória corporal do seu cuidador a partir destas sensações.
O outro tipo de memória – chamada de “explícita” - começa a desenvolver-se durante o 1º ano de vida, e já é reconhecível pelos 15-18 meses quando os bebés demonstram a capacidade de se lembrarem de acontecimentos ou de contar histórias.
5. Os bebés precisam de parceiros interactivos para aprender a falar
Durante muito tempo, a teoria dominante foi que os recém-nascidos e os bebés eram incapazes de estabelecer uma distinção entre o som ambiente e a linguagem falada.
Hoje em dia, sabe-se que os bebés nascem activamente à escuta dos sons da linguagem, inclusive são capazes desde recém-nascidos de diferenciar vozes, e de distinguir sons quase idênticos como “ba” e “pa”. Estudos já demonstraram que ouvir uma língua falada em gravações video ou audio não resulta na aquisição dessa mesma língua; os bebés precisam de parceiros interactivos para aprender a falar.
Pessoalmente, dispor deste tipo de informação aumenta o meu fascínio pelo desenvolvimento infantil e torna a minha experiência da parentalidade mais interessante. Descobrir a que ponto os bebés nascem inteligentes e capazes é também eleva-los acima do estatuto de seres inertes que “só comem, choram e dormem”.
Aqui fica este meu contributo para estimular a curiosidade dos pais que tiveram a gentileza de ler este artigo até ao fim, e que, como eu, desejam que a época em que se acreditava que “enquanto a criança não falar, não vê nada, não sente nada, não compreende nada” seja definitivamente ultrapassada!
E a quem quiser ir mais longe, deixo aqui algumas sugestões de leitura: