“Um estudo conduzido nos anos 1930 pelo sociólogo americano Ernest Burgess revelou que a satisfação no casamento é uma curva em forma de U, começando com casais recém-casados. Após o casamento, a satisfação começa a decrescer, afundando mais um pouco com a chegada do 1º filho, e mais ainda com cada filho subsequente. Se o casal não divorciar no fundo da curva, então a satisfação conjugal começa a aumentar quando o filho mais novo sai de casa. Isto não foi só verdade na 1ª metade do século XX. Isto é a norma.”
John & Julie Gottman, em Eight Dates – Essential Conversations for a Lifetime of Love
“A passagem de dois para três é um dos maiores desafios que o casal enfrenta.”
Esther Perel em A inteligência erótica
Com a chegada dos filhos, o casal passa a ter uma dupla identidade: casal amoroso e equipa parental – e assim a ter de jogar em vários tabuleiros em simultâneo, com tipos de actuação muito distinctos.
Enquanto as crianças são pequenas e muito dependentes, é inevitável as suas necessidades passarem à frente das do casal, com repercussões óbvias sobre a satisfação do mesmo.
Estructura, rotina, estabilidade, RESPONSABILIDADE passam a ser as palavras de ordem. O espaço para o improviso, para a liberdade, encolhe. Os momentos de relaxamento que procuravamos na relação tornam-se cada vez mais raros, ou mesmo inexistentes. O casal apaga-se devagarinho face às exigências da gestão parental.
“Em muitas relações, o divertimento, o jogo, a conexão com o outro passam para o final da lista de afazeres.”
John & Julie Gottman em Eight Dates – Essential Conversations for a Lifetime of Love
A transformação também acontece no plano individual: ter um bebé altera a nossa relação a todos os aspectos da nossa vida! Trabalho, dinheiro, família de origem, família do parceiro, amizades, passatempos – tudo é revisto à luz do que implica passar a ser o cuidador principal de um ser humano que depende de nós para a sua sobrevivência.
Muitos projectos, vontades e necessidades pessoais passam para 2º plano em prol do bem-estar dos filhos. É difícil encontrar espaço e tempo para que cada membro do casal se sinta realizado fora do contexto familiar.
Estas transformações e frustrações fragilizam o casal. Acrescem as noites sem sono; o stress das explosões emocionais das crianças; desacordos sobre a gestão de maus comportamentos; a constante sobre-estimulação sensorial...
Ser pai e mãe de crianças pequenas é ESGOTANTE. Não admira que sobre pouca energia para colocar noutras relações, mesmo a mais íntima.
Face a este panorama, como salvaguardar o casal face ao tsunami que representa a pequena infância dos filhos (0-3)? Como manter a sanidade, a confiança e o optimismo de que tempos mais simples e melhores virão?
(1) Cuidar de mim é cuidar da minha família
Antes de cuidar do casal, há que cuidar de si mesmo!
Todas as relações implicam alguma negociação, mas NINGUÉM beneficia quando um indivíduo se sente sacrificado em prol do outro, seja filho ou parceiro. É vital estar atento às áreas em que sentimos maior insatisfação, e preferir o desconforto de as endereçar ao ressentimento de as ignorar (Brenée Brown).
E ainda que saiba muito bem ir passar um par de horas ao spa, o derradeiro acto de auto-cuidado é conhecer os meus limites e comunicá-los:
- “Esta rotina da noite já não está a funcionar para mim, mas não sei como mudá-la. Podemos pensar em conjunto sobre um novo formato?”
- “Preciso de algum tempo a sós. Podes ficar com as crianças um par de horas esta tarde?”
- “Consegues voltar para casa mais cedo hoje? Estou exausto.”
- “Sinto que não valorizas o meu esforço para preparar refeições saudáveis para a família toda. Podes pf dizer-me o que gostaste do jantar de hoje?”
A culpa, o medo, o peso da responsabilidade, as crenças auto-limitativas do tipo: “não me posso ausentar porque a criança só dorme comigo”, impedem-nos muitas vezes de sequer reconhecer as nossas vontades e necessidades.
Mas esse é o 1º passo: identificar e comunicar aquilo de que precisamos para nos sentirmos melhor. A partir daí surgem sempre soluções.
O ressentimento mina qualquer relação. O antídoto é assumir a responsabilidade pelas nossas necessidades, e defendê-las para benefício do casal e de toda a família.
(2) Small things often
Os filhos sugam grande parte do nosso tempo, da nossa energia, do nosso dinheiro. O conceito de “férias” tal como as conheciamos pré-filhos evapora-se. E, mesmo quando surgem oportunidades para passar algum tempo entre adultos, a conversa gira muitas vezes em torno da logística familiar.
Assim torna-se difícil descontrair em casal, recriar um sentimento de conexão e de futuro partilhado.
Os Gottman explicam neste livro que o sucesso de uma relação de casal depende muito menos de umas férias exóticas do que de pequenos e frequentes gestos de afecto [small things often]:
“Relações longas e bem-sucedidas são criadas por pequenas palavras, pequenos gestos, pequenas acções.”
John & Julie Gottman
Um post-it com uma mensagem de amor na mesa do pequeno-almoço; um encontro a meio do dia, quando as crianças estão na escola; um email a esclarecer algum tema de que é difícil falar no dia-a-dia; um ramo de flores; um café juntos; uma volta pelo bairro; ir ver o mar juntos antes de ir buscar os filhos à escola.
Haja vontade e criatividade!
(3)Ambos queremos o melhor para os nossos filhos, estamos na mesma equipa
É normal haver desacordos na forma como educamos os filhos. Mesmo quando o alinhamento entre os pais é grande, existirão sempre diferenças na forma como lidamos com os nossos filhos.
Mas tentar “formatar” o outro à nossa imagem é sempre uma auto-estrada para a frustração, a disconexão e o ressentimento no casal. Há que abrir espaço para a individualidade de cada um na relação com os filhos.
Claro que os desacordos profundos sobre a forma como as crianças são cuidadas e educadas devem ser abordados. Mas muitas vezes perdemos-nos em pequenos detalhes sem grande relevância para a criança, mas com impacto na valorização individual de cada pai – logo, impacto no CASAL.
Manter presente que ambos os pais desejam o melhor para os filhos é já um primeiro passo para suavizar o ambiente de oposição que se pode instalar, e que cria mais uma camada de desconexão no casal.
Ajuda também:
Reconhecer a totalidade das contribuições do co-parent para o bem-estar dos filhos – e não apenas assinalar aquelas que reprovamos;
Partir do princípio que ambos os pais agem com boas intenções, mesmo quando não estão no seu melhor [assume positive intent];
Aceitar que cada pai faça as suas próprias aprendizagens, incluindo através da tentativa e erro.
A vida de família tem momentos (fases?) de caos durante a pequena infância dos filhos.
Seria tão mais simples conseguir compartimentalizar as diferentes partes da nossa vida: agora sou mãe, agora namorada, agora escritora... Mas, com crianças pequenas, isso não existe! Temos de continuar a cuidar delas, a cuidar de nós e a namorar em simultâneo, mesmo no tumulto do dia a dia.
Mais fácil dito do que feito? Claro que sim. Mas havendo vontade, resiliência e visão, tudo é possível. As crianças obrigam-nos a fazer prova de imensa criatividade para superar todo o tipo de desafios; aproveitemos o empurrão que nos dão para ir cada vez mais ao encontro de tudo o que nos traz alegria, leveza e autenticidade.
Boa sorte!